Lembram da reportagem que publicamos em fevereiro sobre
uma proposta para reduzir as velocidades máximas nas vias urbanas do País? Pois o projeto de lei fo
i protocolado no final de maio. Com participação da Fundação Thiago Gonzaga e da União de Ciclistas do Brasil (UCB), entre outras entidades, o texto prevê diminuir para 60 km/h os atuais 80 km/h definidos como limites máximos nas vias urbanas de trânsito rápido. A medida comprovadamente ajuda a salvar vidas.
Apresentado pelo deputado Jilmar Tatto (PT-SP), o PL altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para reduzir também os limites nas vias arteriais (de 60 km/h para 50 km/h) e permitir um novo tipo de fiscalização e autuação por excesso de velocidade. A ideia é coibir um comportamento muito comum nas rodovias: aliviar o pé do acelerador apenas na hora de passar pelo radar, voltando a ultrapassar o limite logo em sgeguida.
Na prática, passaria a ser considerada a velocidade média dos motoristas ao longo de um trecho a partir de duas medições, em vez de apenas uma. Assim, se o condutor chegou do ponto A ao B em um tempo menor que o mínimo que ele levaria respeitando o limite ao longo de todo o trajeto, ele pode ser multado – mesmo que esteja abaixo do limite na hora de passar pelos radares.
Não é uma lógica simples? E por que não fizeram antes? Para que seja aplicada no Brasil essa estratégia – que já funciona há bastante tempo em países europeus e na Austrália – é preciso justamente mudar o CTB.
Quase 10 anos atrás…
Essa alternativa já havia chegado às autoridades gaúchas como uma recomendação para tornar o trânsito mais seguro. Em abril de 2014, foi concluído um diagnóstico a pedido do governo estadual e elaborado por Soames Job, da Global Road Safety Facility, organização que também esteve envolvida na elaboração do novo projeto de lei. O documento lista uma série de orientações.
Sabem como esse relatório chegou às minhas mãos quase 10 anos depois? Pelo olhar atento de um assinante. O coronel Fernando Alberto Grillo Moreira, que esteve à frente do Comando Rodoviário da Brigada Militar de 2010 a 2014, lembrou do trabalho quando leu a reportagem de fevereiro sobre o PL e a minha coluna sobre o mesmo tema.
Voltamos a falar agora e ele fez a gentileza de reler o relatório e avaliar a segurança do trânsito no Estado nesses últimos anos. Das 12 orientações listadas como mais relevantes por Moreira, nenhuma foi implementada plenamente, de acordo com a sua observação – e de policiais ainda na ativa, dos quais ele é professor e instrutor, destaca.
A principal falha diagnosticada na época, e que persiste, é a ausência de uma coordenação única das ações de trânsito. Segundo explica o coronel, o Detran faz recomendações, mas não tem poder sobre outros órgãos competentes. “O Detran não pode chegar para o diretor da EPTC, por exemplo, e mandar colocar mais fiscalização em tal lugar”, exemplifica ele, completando: “Em países em que o governo resolveu atacar o problema (das mortes no trânsito), foi nomeado um órgão para dar ordens”.
As recomendações do relatório tinham como objetivo reduzir em 35% as mortes no trânsito até o final da década. De 2014 para 2020, os óbitos caíram 27%. Contudo, 2020 foi um ano atípico, o primeiro da pandemia, e registrou 1.464 mortes nas vias gaúchas, segundo dados do Detran. Se considerarmos o período de 2014 até 2022, com 1.708 vítimas fatais, a queda é menor: 15%.